quinta-feira, 24 de outubro de 2019

RAPHAELA PRATA

Foto: Aldair Rodrigues


Se assumir é uma grande libertação para respeitar o nosso eu interior e buscar a felicidade”

Natural de Parintins-Am, 31 anos, Raphaela faz parte da Associação de Gays, Lésbicas e Travestis de Parintins (Aglpin) na área de finanças. É educadora no projeto “Viva Melhor Sabendo”, realizado pelo Healthcare Foundation Brasil (AFH); uma iniciativa desenvolvida no Brasil desde 2014 e agora ganha espaço no município de Parintins. A ação amplia a testagem do HIV mediante a tecnologia de testes rápidos por fluido oral, além de conscientizar a população quanto a prevenção. Raphaela não fugiu do preconceito. Hoje ela luta pela classe LGBTI e encara a vida de uma forma mais leve e feliz. Sorridente, bem humorada e com clareza nas palavras, ela conversou com o Mural das Narrativas e compartilhou sua história.

Mural das Narrativas: Como você se identifica atualmente na sociedade?
Raphaela Prata: Eu sou uma travesti, mas me identifico como uma mulher. Aos poucos a gente vai conquistando o nosso espaço. Não seria uma conquista só minha, mas de todo o movimento ao qual eu represento.

M.N: A partir de que momento você percebeu que o seu comportamento era diferente dos outros meninos?
R.P: Na minha infância, entre os sete, oito anos eu brincava muito com meninas. Eu brincava com as coisas da minha irmã. A minha mãe comprava uma boneca para ela, eu queria às vezes para mim. Eu não tive muito contato com meninos. Então eu ficava triste por não me encaixar nas brincadeiras deles. Devido a isso, eu ouvia muitos comentários maldosos.

M.N: Como era a reação da sua família diante desse comportamento?
R.P: Na verdade eu tenho outra irmã que também é trans. Meu pai não gostava, na época que eu comecei a me transvestir ele dizia que eu seguia o exemplo do meu irmão. Ao mesmo tempo em que ele me aceitava demonstrava que não aceitava. Hoje em dia ele me apoia em tudo o que eu faço. Eu tenho uma família que é a base de tudo na minha vida.

M.N: Qual foi a maior dificuldade durante esse processo?
R.P: Acredito que, ser aceita na sociedade não foi fácil. É importante frisar que ninguém escolhe ser uma travesti. Nascemos com isso e se desenvolve na infância, na adolescência. Eu já me ‘montava’ para shows de transformismo, e outros tipos de eventos. Mas, passei a me transvestir constantemente só depois dos dezoito anos.

M.N: Como foi o procedimento para oficializar o novo registro de identidade?
R.P: Eu participo de vários grupos voltados à classe LGBT em Manaus. Nós do movimento trans de Parintins temos parceria com a ASSOTRAM (Associação e travestis, transexuais e transgêneros do Estado do Amazonas) que é de Manaus. Sou muito grata ao Dr. Rodolfo Lobo, defensor público que abriu muitas portas para a gente nessa questão. Nos nossos encontros debatíamos sobre esse tema, então foi aí que surgiu o interesse, já que a lei tramita desde o dia primeiro de março de 2019. Primeiramente eu troquei o título eleitoral e o cartão do SUS, ultimamente eu fiz a retificação na certidão de nascimento em parceria com a defensoria pública. Acredito que na retificação do RG [registro geral] eu tenha sido uma das primeiras trans parintinenses.

M.N: Você passou por alguma situação constrangedora referente a documentação ainda não oficializada?
R.P: Uma vez eu estava num Congresso em Manaus, eu estava toda ‘montada’ e um rapaz perguntou meu nome e eu disse que me chamava Raphaela Prata. Ele insistiu em saber o meu nome de batismo, então houve a maior discussão, mas recebi o apoio dos amigos que estavam comigo no evento, tentando evitar a situação constrangedora.


M.N: Como você analisa as políticas públicas ao tratar essa questão?
R.P: Eu gostaria que houvesse mais projetos que amparassem os LGBTs. Na questão da empregabilidade, muitos encontram dificuldades no primeiro emprego, pela falta de oportunidade, e isso acarreta na maioria das vezes, o acesso às drogas e prostituições.

M.N: Como você enxerga a sociedade, ao tratar esse assunto tão polêmico?
R.P: Acredito que, de forma geral existe muito preconceito, mas as pessoas tentam esconder isso. E também o preconceito existe muitas vezes porque a maioria demonstra uma certa insegurança, além de que, muitas trans são vulgares e isso acaba contribuindo.

M.N: Você está satisfeita com o seu corpo? Se tivesse que mudar algo em você, o que seria?
R.P: Estou satisfeita sim. Acho que não mudaria nada. Eu apenas faço um tratamento de hormonioterapia em Manaus com uma especialista.

M.N: A redesignação sexual é um procedimento operatório muito delicado e não é somente a troca do orgão sexual, mas depende do processo psicológico do paciente. Você tem interesse nesse procedimento?
R.P: Não e nem pretendo. Não discrimino quem fez, não tenho vontade. Eu estou muito feliz com o meu corpo.

M.N: Quais os seus planos para o futuro?
R.P: No momento não tenho eles definidos, mas gostaria de ser mais respeitada na sociedade e nunca deixar de militar pelo movimento que represento. Quando eu entrei na associação LGBT, não conhecia muita coisa relacionada ao nossos direitos e agradeço a ela por me proporcionar esse leque de oportunidades e conhecimentos.





"Eu gosto e ler, me empoderar nos assuntos LGBT".Raphaela Prata
Foto: Aldair Rodrigues




"Orgulho é poder ser quem você é, em um mundo que te diz o contrário". Raphaela Prata
Foto: Aldair Rodrigues



"Sou uma pessoa que vai em busca dos objetivos, meio tímida, mas com um coração bom".
Raphaela Prata / Foto: Aldair Rodrigues


A parintinense gosta de viajar e durante as viagens participa de congressos que,
debatem os temas voltados à classe LGBT / Foto: Aldair Rodrigues


Educadora em ação, no projeto "Viva Melhor Sabendo". Foto: arquivo pessoal




Além os testes, os membros o projeto também fazem a distribuição dos preservativos Foto: arquivo pessoal











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