quarta-feira, 9 de maio de 2018

MEMÓRIAS AO MEU ANTIGO DONO

Por: Aldair Rodrigues



Um dia eu servi.
Fui a muitos lugares, não estive nos rios da antiga Vila Nova da Rainha, mas certamente velejei nas águas barrentas da Ilha Tupinambarana, conhecida como a capital do folclore. Por terra trago as marcas da calorosa Francesa, atracação das mais cabíveis histórias, cruzamento entre citadinos e ribeirinhos.
Passei pela Matriz do Carmo e não me neguei em pisar no solo santo. Paciente, vi meu dono sinalizando da testa ao peito o sinal da sua temida fé. Mal eu sabia que o meu destino terminaria numa orla esquecida pelo "discurso do progresso".
Ancoramos e mais adiante, em uma poça lamaçal qualquer fui abandonada, por que na vida tudo tem um prazo, tudo se acaba, menos as histórias.

        Para que sirvo? Calço os pés rachados, os macios e também sou muito querida pelos que aqui semearam o começo econômico da calorosa Parintins.
      Muito prazer! Sou uma sandália esquecida e mais adiante o meu abandonado amigo barco.









foto: Aldair Rodrigues
foto: Aldair Rodrigues





*Esta narrativa é baseada nos viveres e construção histórica do povo da cidade de Parintins , no Amazonas-Brasil. Os locais citados no texto fazem parte da estrutura urbana da cidade, como a orla, o bairro da Francesa e a Catedral de Nossa Senhora do Carmo.
*Parintins é um município brasileiro no interior do estado do Amazonas. Pertence à mesorregião do Centro Amazonense e microrregião de mesmo nome, localizando-se no extremo leste do estado, distante cerca de 369 quilômetros da capital Manaus. POPULAÇÃO:  113 832 hab – estimativa populacional - IBGE/2017.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

Professor cria minidicionário trilíngue para surdos Sateré-Mawé

O objetivo é auxiliar educadores das escolas indígenas no processo de  ensino-aprendizagem e melhorar a comunicação dos alunos com problemas auditivos

O livro é um conteúdo variado com técnicas de traduções linguísticas de fácil compreensão.


      Constituída por um rico vocabulário, a língua Sateré-Mawé, membro único da família Mawé e parte do tronco linguístico Tupi, é falada e escrita por aqueles que fazem parte da etnia. De acordo com informações do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM), em 2014, a população Sateré-Mawé somava aproximadamente 13.350 indígenas, vivendo na capital do estado, Manaus, e em comunidades dos rios Marau e Andirá, pertencentes aos municípios de Maués e Barreirinha, que fazem parte da microrregião de Parintins.
      O Censo Escolar de 2016, realizado pelo Ministério da Educação (MEC), registrou a existência de 21.987 estudantes surdos e 32.121 com algum tipo de deficiência auditiva matriculados na educação básica. Ainda de acordo com a pesquisa, existem 2.819 escolas indígenas em todo o Brasil, atendendo a aproximadamente 195 mil estudantes indígenas,
distribuídos desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.
      Diante desse contexto, o professor de Língua Brasileira de Sinais (Libras) da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Marlon Jorge Azevedo, que também é surdo, criou o Minidicionário Indígena Sateré-Mawé em Libras e Língua Portuguesa, resultado de sua dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGLA) da UEA em 2015.
      O produto trilíngue (Sataré-Mawé, Língua Portuguesa, Libras) é direcionado ao ensino-aprendizagem dos indígenas surdos Sateré-Mawé e disponibiliza um conteúdo variado com destaque para técnicas de traduções linguísticas de fácil compreensão.
      Segundo Azevedo, a ideia surgiu a partir de uma conversa com um grupo de surdos pesquisadores da Federação de Surdos no Rio de Janeiro em 1990. “Nesse encontro, um dos participantes me perguntou se havia surdos indígenas no Amazonas. Então, comecei a pesquisar em lugares das microrregiões de Parintins e viajei para seis municípios: Barreirinha (Ponta Alegre), Nhamundá, Boa Vista do Ramos, Maués, Urucará e São Sebastião do Uatumã. Nessa primeira pesquisa, encontrei dez indígenas surdos Sateré-Mawé”, afirmou.
      O pesquisador realizou um mapeamento com o objetivo de averiguar a quantidade de indígenas surdos nos municípios da microrregião de Parintins. Foram muitos os problemas enfrentados nesta etapa da pesquisa, dentre os quais Azevedo destaca a dificuldade de acesso às áreas indígenas e à indisponibilidade de dados e informações na Fundação Nacional do Índio (Funai) de Parintins. “Algumas comunidades são muito distantes e, em alguns trechos, o rio é muito estreito e perigoso”, explica o professor, enfatizando também a burocracia a ser enfrentada no processo de busca de dados. “Eu precisei da autorização do chefe da aldeia, e isso foi bastante complicado”, desabafa.
       O coordenador da Funai, Sérgio Butel, atribui essa falta de informação à fragmentação que ocorreu no órgão a partir de 2009 no que concerne às atribuições das áreas da educação e da saúde indígenas. Segundo ele, até aquele ano, a Funai cuidava dessas áreas e podia manter os dados atualizados. Com a transferência das questões da educação para a Secretaria de Educação (Semed) e da saúde para a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), as informações ficaram restritas. “Com isso, não temos um levantamento, um mapeamento do número de crianças especiais que estão na escola”, afirma Butel. 
      Para ele, o minidicionário é um trabalho muito importante, pois a língua acaba se tornando uma barreira para o estudante indígena que migra para a área urbana e não compreende a língua portuguesa. Além de ajudar os alunos Sateré, o livro tem como objetivo dar suporte aos professores que trabalham com essa questão.
      Ao longo da pesquisa, foram realizadas algumas oficinas de Libras para que Azevedo pudesse avaliar o nível de aceitação das crianças indígenas, e o resultado, segundo ele, foi muito positivo: “Quando eu mostrava, através do livro, objetos utilizados na aldeia, eles demonstravam receptividade e, à medida que a prática avançava, eles conseguiam se expressar e sinalizar”, conta o pesquisador.
      Samantha Rocha, coordenadora pedagógica da Semed, esclarece que, no âmbito educacional, as dificuldades enfrentadas pelo surdo relacionam-se sobretudo à falta de comunicação, o que exige na escola a presença de um profissional especializado na língua de sinais. Para minimizar a ausência desse tipo de profissional em Parintins, Rocha explica que há um espaço reservado na sede da Semed. “Temos a sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE), mas o que acontece é que são colocados profissionais que contemplam um pouco de cada deficiência, sendo que o surdo exige um conhecimento mais especializado não só sobre a didática mas também sobre língua usada para a comunicação”, conclui.
      A ausência de profissionais especializados em Libras também é uma realidade nas escolas indígenas que possuem alunos com deficiência. Para o coordenador da Funai, Sérgio Butel, isso não é exclusividade de Parintins. Trata-se de um problema presente na maioria dos municípios que tem alunos indígenas e que, para garantir aquilo que a lei determina quanto ao direito indígena a uma educação específica e adequada ao costume de cada povo, mantém as escolas com dificuldades.
      Um problema grave é a ausência de um Projeto Político-Pedagógico próprio. Ainda de acordo com Butel, nesse sentido as discussões ainda estão engatinhando e são poucas as escolas indígenas que possuem uma proposta, de fato, construída junto à comunidade indígena. “Normalmente, se faz educação indígena com livro didático do ‘branco’, com projeto do ‘branco’ e com os saberes do ‘branco’.”, enfatiza o coordenador.
      A pesquisa que culminou na produção do minidicionário contou com a participação de entidades que buscam o bem-estar indígena, dentre as quais a Casa de Trânsito Sateré-Mawé de Parintins, através do coordenador da instituição e professor indígena José Douglas de Oliveira, que corrobora a importância do projeto de Azevedo. “Esse livro é uma iniciativa que ajuda muito, acredito que é um bom começo, ele tem que continuar. Quando eu vejo um livro de alguém que se importa com a tribo e faz um trabalho bom, eu me alegro muito”, diz o professor Sateré, que destaca o seu desejo de ver toda a sua tribo tendo acesso à educação.
      A continuidade do projeto é um desejo também de Azevedo, que planeja aprofundar suas pesquisas em torno do tema, abrangendo outras línguas indígenas. Atualmente, o seu esforço é para viabilizar a publicação do minidicionário, o que requer apoio financeiro.
      O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) reforçou a política de acessibilidade para a realização do Enem através da videoprova traduzida em Libras, recurso este utilizado por 1.635 participantes em 2017. Ao todo, foram contabilizadas 4.390 solicitações de atendimento especializado para casos de surdez e deficiência auditiva.

“Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” foi o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que ocorreu em novembro de 2017. A presidente do Inep, Maria Inês Fini, declarou que é confortante receber de milhares de jovens felicitações tanto pela temática escolhida quanto pela equipe empenhada no primeiro dia de prova.

REPORTAGEM PRODUZIDA PELOS ACADÊMICOS DE JORNALISMO DO QUINTO PERÍODO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS/CAMPUS PARINTINS:
*ALDAIR RODRIGUES
*EVELYN BRITO
*KATRIANE BERNARDES
*LARA SOUZA
*NÁGELA MENEZES
*NEANDRO MARQUES
*POLIANA AZEVÊDO

ORIENTADORA: PROFESSORA, KARLIANE NUNES


FOTOGRAFIAS/BASTIDORES

Entrevista com o coordenador da Casa de Trânsito Indígena José Douglas

Repórteres, Katriane Bernardes e Polyana Azevêdo, na entrevista com o coordenador da Casa de Trânsito Indígena

 Colaboradores da reportagem, Marlon Jorge, Samantha Rocha (ao centro), juntamente com a professora Karliane Nunes e equipe


fotos para a reportagem
coordenador da Funai, Ségio Butel

capa do jornal Tupã News

matéria impressa


terça-feira, 27 de março de 2018

VERDADEIRA INFÂNCIA



 Por: José Caldeira

  Curumins revivendo brincadeiras do passado                     Foto: José Brilhante   


Tudo começa com uma ‘bolinha de gude’ no meio do dia ou no fim da tarde, talvez o dia todo.
As crianças vão chegando no terreno baldio com uma alegria e adrenalina inexplicável. O local só precisa ser plano e com um bom pedaço de terra que a velha infância teima em descobrir.
Logo é desenhado no chão o ‘turite’ e a ‘lavoura’. Esta última é decidida pelos participantes a que distância ficará.
As bolinhas de vidro são emparelhadas, cada jogador é obrigado a deixar uma no cobiçado ‘turite’, que ao mesmo tempo recupera em uma situação de perda total durante o jogo, mas pode trazer fama de apelão.
Uma briga saudável começa logo quando decidem quem é o primeiro ou o último a lançar, é inebriante, porque o sucesso dos ganhos das bolinhas depende disso e, também da boa pontaria com os dedos.
O detentor do primeiro ‘tecar’ é decidido ao lançar da bolinha, quando mais perto da linha ficar, a ordem do primeiro é decidida. 
É empolgante ver todas as ‘ponteiras’ prontas para serem atingidas e por conseguinte ganhar uma em troca. Às vezes acertar é tão difícil quanto parece, pode estar perto ou longe. Porém, antes o ritual inconsciente do ‘castelo’ é feito no mirar dos dedos, para o estalar de bolinha com bolinha, isso é mágico!
Os palavrões são ouvidos de quanto e quanto. Deve ser uma forma de desalento por conta do erro ou uma forma de melhorar a pontaria.
“Ratão” é a expressão usada pra quem tenta trapacear. Quando isso acontece uma gritaria misturado com risos, correm para ‘abecar’ e recomeçar o jogo da lavoura.  

Assim com todas as emoções e perdas, a brincadeira até o fim é apreciada avidamente, com alguns indo aos ‘piti’ e ouros com os bolsos e mãos cheias do prêmio máximo, a bolinha de gude.