quarta-feira, 20 de novembro de 2019

CURUMIZ: um novo conceito na arte amazônica

                                             Alzyney Pereira, à esquerda e Kemerson Freitas, à direita, os Curumiz. Foto: Luciano Ribeiro


No final do ano de 2017, os muros da área urbana de Parintins-Am* ganharam novas cores e uma nova linguagem artística. Das ruas para as redes sociais, não é difícil encontrar nos perfis de inúmeros parintineneses, fotografias dessas obras, contextualizando o cotidiano amazônico, uma mistura de ousadia e talento.
       Contudo, não se pode explicar a arte, sem vê-la, sentí-la ou imaginá-la. Todos esses sentimentos estão presentes na vida de Kemerson Freitas e Alzyney Pereira. Os artistas intitulados Curumiz, assinaram um novo conceito na arte amazônica e deram vida aos envelhecidos muros da área urbana de Parintins. Além de amigos, os jovens têm em comum a paixão pela arte, e a proporção que ela pode causar.
       Kemerson Freitas, (23), é licenciado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Amazonas, (Ufam), na região de Parintins. O parintinense iniciou a vida artística por volta dos seis anos de idade, desenhando nos cadernos utilizados em sala de aula. O dom do garoto chamou a atenção dos pais que, logo o matricularam na Escola de Artes Irmão Miguel de Pascale, (Escolinha do Boi Caprichoso, importante projeto social que ensina as diversas modalidades artísticas para crianças da cidade de Parintins). Aprimorou suas técnicas no curso de desenho pertencente ao Liceu de Artes Claudio Santoro, em Parintins.
         A história de Alzyney Pereira, (23), assemelha-se ao do amigo. Acadêmico do curso de Licenciatura em Artes Visuais, pela Ufam em Parintins, o jovem nasceu na cidade de Juruti, no Pará, e desde os cinco anos de idade mostrava talento pelo desenho. Fã dos desenhos infantis, o garoto reproduzia no papel o que assistia, aprimorando mais o talento artístico. A partir disso, a mãe de Alzyney o colocou na escola de arte Pastoral do Menor, situada no bairro Itaúna 2, em Parintins, onde ele reside até hoje.

O início

          A parceria surgiu na universidade, durantes as aulas de desenho, ministradas pelo professor Edson Macaline. Na época, Edson propôs aos alunos a utilização de uma arte mais contemporânea a partir do estilo artístico utilizado na região amazônica. A semelhança pelo gosto e o estilo de desenhos dos dois acadêmicos os uniu durante as atividades do curso, e ultrapassou os muros da universidade.
        O aperfeiçoamento no trabalho dos artistas aconteceu a partir do projeto Arte na periferia, idealizado pela prefeitura de Parintins em parceria com a escola de artes Pastoral do Menor, realizado na própria instituição. Foi a primeira pintura dos jovens no muro. O diferencial na obra artística chamou a atenção do público e instigou o talento dos artistas que, começavam a descobrir um estilo próprio no campo da arte parintinense.
Com o sucesso da primeira pintura e a repercussão positiva nas redes sociais, os jovens levaram em frente os trabalhos, em busca dos muros abandonados pela cidade. Outros muros eram solicitados, por se tratarem de obras particulares, mas, os jovens sempre arcaram com as despesas dos materiais durante a produção dos murais.
No início quando fomos pintar os muros, ao tirarmos os sprays da mochila, algumas pessoas temiam que fôssemos pichar como um ato de vandalismo, esse foi o primeiro paradigma que enfrentamos”. Relembra Kemerson, sorrindo.


          Kemerson Freitas, inciando uma releitura regional de Frida Kahlo
Foto: Alzyney Pereira




Alzyney Pereira, em ação, obra Mãe terra.Foto: Kemerson Freitas



No início das obras de arte, os artistas utilizavam a técnica do lambe-lambe (arte desenvolvida com o papel colado no muro, uma modalidade de estreet art), depois começaram a utilizar o grafite (pintura à base de spray), para o melhor aperfeiçoamento. São por meio de tutoriais pesquisados na internet que, os artistas aprendem cada vez mais novas técnicas de utilização para pinturas em muros


Curumiz e suas inspirações artísticas

Autorretrato “Curumiz”. Foto: Arquivo pessoal

O codinome artístico Curumiz, surgiu no final do ano de 2017, quando os jovens começaram sair para as ruas de Parintins. Primeiramente assinavam o codinome A.K Riverman, (junção das primeiras letras de seus nomes, hiverman significa ribeirinho em inglês), porém não gostaram da junção e optaram por algo mais simples e criativo.
          A ideia surgiu na confecção do segundo mural. Durante uma das saídas dos jovens pelas ruas, o professor Erick Nakanome ao vê-los pintando, gritou:
          -Esses curumins já estão pintando aí! – Relembra Alzyney.
      Por meio desse fato, os amigos tiveram a ideia de assinar as obras e firmar o codinome Curumiz, por se tratar de um termo regional, curumim, ( palavra de origem tupi, e designa, de modo geral, as crianças indígenas, do sexo masculino). A palavra foi modificada e acrescentada a letra “z”, no final, criação dos próprios artistas.
Além das referências artísticas regionais na bagagem, os jovens também são inspirados por artistas renomados. A admiração pelas obras de  Van Gogh, Salvador Dali, Modigliani, Basquiá, Os gêmeos e Eduardo Kobra, foram fundamentais no desenvolvimento artístico dos jovens que, criaram uma identidade própria desde então.
Os gêmeos foram uma forte influência para gente, pois, vimos que, são duas cabeças para pensar unicamente uma ideia, tão ímpar”, afirma Kemerson Freitas. Ele acrescenta que, a arte parintinense é uma temática bastante discutida na universidade, e que essa arte regional precisa ser trabalhada num estilo mais contemporâneo.
As obras criadas pelos Curumiz são definidas de arte urbana, mas com uma linguagem amazônica que, retrata o cotidiano rural. São utilizadas nas obras, pessoas anônimas, elementos ribeirinhos e a fauna pouco usada nas telas, trabalhadas numa linguagem diferenciada, uma arte própria desenvolvida pelos artistas.


   Das manivas do caboclo”. Obra que fez parte da exposição “Conterrâneo”. Foto: arquivo pessoal Curumiz.
   


      Alzyney aponta o professor do curso de Artes Visuais (Ufam/Parintins) Edson Macaline como um grande incentivador durante o percurso dos jovens. “Ele propôs que utilizássemos mais experimentações, outros materiais, outras superfícies para pintar, outro método de desenho, por isso não temos um estilo definido, as pinturas surgem de acordo com as nossas experimentações artísticas e os diversos elementos que utilizamos”, destaca o artista.
Apesar dos desafios e situações constrangedoras, os muros pintados pelos artistas, embelezam e alegram os ambientes urbanos de Parintins. Com a arte reconhecida, surgiram as encomendas, o que os ajudou a custear os materiais que, raramente são encontrados em Parintins, outros eles compram pela internet.


Exposições e a dimensão artística

Os artistas participaram da abertura do 11º Salão Curupira de Artes Plásticas, em Manaus, evento realizado em 2018, onde foram expostas várias exposições com a participação dos artistas de Manaus e do interior do Amazonas. 
A segunda exposição foi individual, intitulada de Conterrâneo, ocorreu em 2019, na galeria do Largo São Sebastião, espaço em frente ao Teatro Amazonas, no centro de Manaus.

  Flyer de divulgação da exposição “Conterrâneo”.

                                                                              
Essa exposição abriu muitas portas para gente, as pessoas viram que em Parintins tem o trabalho de arte urbana, que há também artistas da arte contemporânea”, ressalta Kemerson, referindo-se a exposição Conterrâneo.
Recentemente os jovens participaram da exposição intitulada “Lixo nosso de cada dia”. O evento aconteceu em outubro de 2019, nas dependências do Liceu de Artes Claudio Santoro, em Parintins. À convite da museóloga Veralucia Ferreira, os artistas produziram dois murais de instalação, unindo o grafite ao lixo produzido na cidade.

                                                  Os Curumiz e as obras “Eu” (à esquerda) e “Até o tucupi” (à direita). 
                                                 Ambas foram produzidas para a exposição “Lixo nosso de cada dia”. Foto: Rendrick Azevedo. 

                                                                 


Futuramente os artistas almejam expandir suas obras para outros lugares, onde a arte urbana é mais presente, com o intuito de engrandecer o trabalho e buscar mais valorização. Entretanto, não só as metrópoles estão nos planos dos artistas, Alzyney acrescenta que levar a arte às pessoas mais necessitadas também faz parte do caminho que eles pretendem percorrer. Poder levar o estilo às comunidades ribeirinhas, outros locais circunvizinhos da cidade de Parintins são de suma importância para que eles possam se identificar, visto que, são personagens fortemente presentes nos murais.



Mãe terra”, produzida em um dos muros no centro da cidade de Parintins-AM.Foto: Arquivo pessoal Curumiz.



 “A arte existe porque a vida não basta”, é a frase que kemerson leva para a vida. O jovem acredita que o principal objetivo do trabalho dos Curumiz é fazer as pessoas compreenderem a arte além do que elas já conhecem. “Transformação” é a palavra que Alzyney determina como um importante papel desempenhado pela arte. “Esse é o nosso propósito, transformar as pessoas e os lugares que estavam mortos, por meio das cores e acima de tudo fazer com que as elas se identifiquem nas obras, retratando o seu cotidiano, a sua identidade cultural”, conclui o jovem.




Colorindo a cidade de Parintins, com a obra “Flores amazônicas”.                      Foto: Arquivo pessoal Curumiz




   
Painés “Flor de menina” e “Ribeirinhos”, fizeram parte da XI exposição do Salão Curupira de Artes, em Manaus, 2018. Foto: Arquivo pessoal Curumiz




"Tracajás de beiradão”, a obra fez parte da exposição “Conterrâneo”, realizada no Largo São Sebastião, em Manaus. 
Foto: Arquivo pessoal Curumiz, 2019.



     

                                             "Umukosurãpanami- criador da luz no universo"
Arte feita sobre a mitologia do índios dessana sobre criação do sol, do universo, tendo como referência o livro "Antes o Mundo não existia", da qual conta que este heroi dessana Umukosurãpanami direcionado por Yeba Boro, joga sua lança contra o nada, criando a luz no universo, assim nascendo o sol e o sistema cósmico. Foto e legenda: Arquivo pessoal Curumiz



*Parintins é um município brasileiro no interior do estado do Amazonas. Pertence à mesorregião do Centro Amazonense e microrregião de mesmo nome, localizando-se no extremo leste do estado, distante cerca de 369 quilômetros da capital Manaus (IBGE)

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