Por: Aldair Rodrigues
Na pequena e aconchegante sala há dois sofás. Entre os sofás está a cadeira de embalo vermelha, supostamente preparada pelo poeta. Inúmeros livros enfileirados em cima da poltrona, revelam a paixão do escritor.
Nas paredes cor de rosa há fotos da família, em uma das paredes o banner cita um dos poemas de Alfredo. Cada detalhe remete a uma família de muita fé. Os acessórios religiosos espalhados pelos móveis, juntam-se aos enfeites natalinos, embelezando a sala.
Todo o ambiente é embalado ao som das músicas orquestradas na época do Cine Saul que, Saunier ouvira na minha chegada. Músicas que tocavam no antigo cinema da cidade, lugar em que o poeta costumava frequentar. As melodias se unem ao canto dos pássaros que, de teimosos insistiam em perturbar uma “ateira”, árvore plantada pelo poeta no pátio de sua casa. Este foi o cenário de uma longa e prazerosa conversa.
Com o jeito simples, trajando uma regata branca, bermuda jeans
e sandálias, Alfredo não demonstra nenhum pouco incomodado,
mostra-se à vontade. É perceptível o amor por seus poemas, o poeta
fazia questão de declamá-los a cada assunto a ser lembrado.
A
infância de Alfredo foi muito boa, na rua Benjamim da Silva, jogava
bola no campinho, pescava, ia para o Cine (cinema que existia na
cidade na época), lazeres não muito comum atualmente, dando espaço
para a violência, completamente o oposto de hoje, lamenta o
parintinense.
“Sou
muito autêntico, falo o que penso. Se você for meu amigo há vinte
anos eu vou lhe falar, agora se eu estiver errado também me fale.
Amizade é isso, não é só bater nas costas e 'entre aspas'. Minha
maneira de viver é diferente, não uso algemas”, diz.
Alfredo
Jorge Cardoso Saunier nasceu no dia 03 de fevereiro de 1960. Filho de
Antônio Pacífico Siqueira Saunier – Tonzinho Saunier e de Maria
Miracema Teixeira Cardoso Saunier. É casado com Maria Francineide
Rodrigues Saunier e desse enlance nasceram os filhos: Tonmir, Tânmya
e Tânnya. Começou a trabalhar aos doze anos de idade, vendia leite
e queijo na casa do avô. Não possui Ensino Superior,
considera-se um autodidata. É técnico em Serviços Públicos pelo Centro Tecnológico do Amazonas (CETAM). Tem
vários artigos e poemas publicados nos jornais de Parintins como
também recentemente lançou um folhetim mensal que fala sobre a
nossa cultura por meio de poemas e histórias do nosso povo.
Alfredo
relata que, em seu DNA já está incluso a literatura. Sua avó foi
uma das primeiras pessoas a ensinar aos japoneses a Língua
Portuguesa e também uma das primeiras diretoras do colégio Araújo
Filho, um dos mais antigos colégios de Parintins. O pai de Alfredo,
Tonzinho Saunier, onde estivesse com os filhos falava em estudo, no bar, na
biblioteca, ensinou-lhes muita coisa, orgulha-se o poeta falando do
pai.
Aos
22 anos, Alfredo trabalhou no Banco do Estado, permanecendo há quase
25 anos no local. Nessa época guardava seus poemas e tinha o grande desejo de
lançar um livro. Após a morte do pai, viu a necessidade de
continuar o trabalho do patriarca, sua fonte de inspiração.
O
poeta diz que sua luta foi solitária. Tudo o que lançou
foram projetos próprios. Passaram-se dez anos até lançar o primeiro
livro. Durante uma viagem a Minas Gerais, estava Saunier num bar, quando
recebeu a notícia que seu projeto havia sido aprovado, nesse
instante, em êxtase de felicidade e sem ter com quem comemorar, ele decide pagar a bebida de um grupo de pessoas que ali estavam,
e sem entender nada, aceitaram, compartilhando a realização do sonho tanto almejado do poeta amazonense.
Na
tentativa de divulgar seu trabalho, perante as dificuldades e com a
falta de apoio financeiro, o escritor envia suas obras para várias
instituições. “O “não” tu já tens, se tu pegares o sim é
consequência, tudo na vida é consequência”, diz sorrindo.
O
contexto caboclo retratado em seus poemas reflete a partir da
vivência interiorana do escritor. Nas férias do colégio, Alfredo
costumava ir para casa de seu avô paterno em Vila Nova, interior de
Parintins.
Pescar, tomar leite direto da teta da vaca, mingau de tapioca. Foram momentos simples que fizeram parte da vida do poeta.
Pescar, tomar leite direto da teta da vaca, mingau de tapioca. Foram momentos simples que fizeram parte da vida do poeta.
No
livro Identidade
Cabocla, com
o poema “Alma
Cabocla” Saunier
retrata seu próprio perfil, no final do texto:
“ALMA
CABOCLA”
“...Minha
alma é cabocla.
Falo
como o vento
que
me diz, já de manhãzinha,
o
descontentamento...
Pertenço
a uma vida que não é minha!
Digo,
com orgulho, afirmo
de
alma cabocla: a alma de um rio sem leito!
Poema
citado com orgulho durante a entrevista. Considerando-se um poeta
regionalista.
Um
momento importante da carreira do autor foi a presença do escritor
Thiago de Mello no lançamento de um de seus livros. Segundo Saunier,
o poeta Thiago não costumava ir a lançamento do livro de ninguém.
Essa atitude o deixou profundamente emocionado.
A relação de Thiago de Mello com a família de Alfredo Saunier vem desde a época quando o pai Tonzinho ainda era vivo e costumava visitá-lo para tomar um café e conversar.
A relação de Thiago de Mello com a família de Alfredo Saunier vem desde a época quando o pai Tonzinho ainda era vivo e costumava visitá-lo para tomar um café e conversar.
Ao
todo são 14 livros que fazem parte do acervo de Alfredo, “Memórias
de um poeta”, “Identidade Cabocla”, “Poética, a arte de
fazer versos” foram
os três lançamentos. “O
ciclo econômico da juta em Parintins”, “Mosaicos”, “Nas
esquinas da Vida”, “Irreverente”, “Benditas Mulheres”,
“Olha já, coisa de caboco”, “Saudade, simplesmente de ser
Poeta”, “O contador de história”, “Ser
Poeta”, entre outros
estão prontos para serem lançados.
Em
“Memórias
de um Poeta”,
primeiro livro lançado, relata sobre as obras de Tonzinho Saunier como forma de não deixar no esquecimento o trabalho do pai, “muitas
vezes os poetas não morrem, eles permanecem vivos na memória do
povo”, diz Alfredo.
“Existe
um poema chamado “Hoje é domingo?”, eu fiz pois acredito que
todo dia é domingo, é dia de festa, de recordações, dia de
saudade, de adeus. Até porque meu pai morreu no domingo, e estava
tocando aquela música do Tim Maia, “No
dia de domingo”. Meu
pai falava muito em saudade, tanto é que morreu recitando um poema
de sua própria autoria chamado “Saudade da Saudade”, relembra o filho, emocionado.
Todo
o processo burocrático para lançar uma obra literária não
desanima o poeta que vive de sonhos, sonhos esses a qual não
acredita um dia poder realizá-los, mas espera que outros poetas, da
nova geração, continuem o seu legado.
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