segunda-feira, 23 de outubro de 2017

BRINCADEIRA DE PAPAGAIO

Por: Jose Brilhante

Foto: Daniel Mendes

     As latas de leite ninho caem no chão, embebida de linha dez e cerou. É um barulho peculiar que traz boas recordações.
     A expectativa de um dia sem chuva e bons ventos toma conta. Quando se vê o de losango flechando e embiocando para descair e cortar na mão, percebe-se que o dia vai ser gratificante.
     De repente um garoto se aproxima com um papagaio talvez maior que sua estatura. Desfila com seu troféu, encaixado em suas costas pelo peitoral. A proeza foi conquistada no sol escaldante de horas a fio enfrentado, doravante não sentido.
     A vontade de estar em busca de papel e talas de fibra é provada quando não tira os olhos do céu, onde outros prêmios estão caindo sem parar para seu deleite que ainda não está satisfeito.
     As turmas de outros bairros são comuns, sempre em busca de um local recheado da brincadeira de domingo em época de verão.
     As varas são a garantia de sucesso na apanha em pleno ar do papagaio, ludibriando talvez os que estão somente na aventura das mãos livres para a captura.
     Quando corta e apara é a grande decepção geral, mas a felicidade de quem o fez está garantida.
     Assim com toda diversão e sacrifício o fim do dia chega, e a brincadeira esvaece com a escuridão. Porém tudo é planejado para o domingo seguinte com o mesmo entusiasmo!!!


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

ALFREDO SAUNIER, O CABOCLO SONHADOR




Por: Aldair Rodrigues

Foto: divulgação                                                      Alfredo Saunier



        Na pequena e aconchegante sala há dois sofás. Entre os sofás está a cadeira de embalo vermelha, supostamente preparada pelo poeta.  Inúmeros livros enfileirados em cima da poltrona, revelam a paixão do escritor. 
Nas paredes cor de rosa há fotos da família, em uma das paredes o banner cita um dos poemas de Alfredo. Cada detalhe remete a uma família de muita fé. Os acessórios religiosos espalhados pelos móveis, juntam-se aos enfeites natalinos, embelezando a sala.
        Todo o ambiente é embalado ao som das músicas orquestradas na época do Cine Saul que, Saunier ouvira na minha chegada. Músicas que tocavam no antigo cinema da cidade, lugar em que o poeta costumava frequentar. As melodias se unem ao canto dos pássaros que, de teimosos insistiam em perturbar uma “ateira”, árvore plantada pelo poeta no pátio de sua casa. Este foi o cenário de uma longa e prazerosa conversa.
Com o jeito simples, trajando uma regata branca, bermuda jeans e sandálias, Alfredo não demonstra nenhum pouco incomodado, mostra-se à vontade. É perceptível o amor por seus poemas, o poeta fazia questão de declamá-los a cada assunto a ser lembrado.
A infância de Alfredo foi muito boa, na rua Benjamim da Silva, jogava bola no campinho, pescava, ia para o Cine (cinema que existia na cidade na época), lazeres não muito comum atualmente, dando espaço para a violência, completamente o oposto de hoje, lamenta o parintinense.
“Sou muito autêntico, falo o que penso. Se você for meu amigo há vinte anos eu vou lhe falar, agora se eu estiver errado também me fale. Amizade é isso, não é só bater nas costas e 'entre aspas'. Minha maneira de viver é diferente, não uso algemas”, diz.
        Alfredo Jorge Cardoso Saunier nasceu no dia 03 de fevereiro de 1960. Filho de Antônio Pacífico Siqueira Saunier – Tonzinho Saunier e de Maria Miracema Teixeira Cardoso Saunier. É casado com Maria Francineide Rodrigues Saunier e desse enlance nasceram os filhos: Tonmir, Tânmya e Tânnya. Começou a trabalhar aos doze anos de idade, vendia leite e queijo na casa do avô. Não possui Ensino Superior, considera-se um autodidata. É técnico em Serviços Públicos pelo Centro Tecnológico do Amazonas (CETAM). Tem vários artigos e poemas publicados nos jornais de Parintins como também recentemente lançou um folhetim mensal que fala sobre a nossa cultura por meio de poemas e histórias do nosso povo.
Alfredo relata que, em seu DNA já está incluso a literatura. Sua avó foi uma das primeiras pessoas a ensinar aos japoneses a Língua Portuguesa e também uma das primeiras diretoras do colégio Araújo Filho, um dos mais antigos colégios de Parintins. O pai de Alfredo, Tonzinho Saunier, onde estivesse com os filhos falava em estudo, no bar, na biblioteca, ensinou-lhes muita coisa, orgulha-se o poeta falando do pai.
Aos 22 anos, Alfredo trabalhou no Banco do Estado, permanecendo há quase 25 anos no local. Nessa época guardava seus poemas e tinha o grande desejo de lançar um livro. Após a morte do pai, viu a necessidade de continuar o trabalho do patriarca, sua fonte de inspiração.
O poeta diz que sua luta foi solitária. Tudo o que lançou foram projetos próprios. Passaram-se dez anos até lançar o primeiro livro. Durante uma viagem a Minas Gerais, estava Saunier num bar, quando recebeu a notícia que seu projeto havia sido aprovado, nesse instante, em êxtase de felicidade e sem ter com quem comemorar, ele decide pagar a bebida de um grupo de pessoas que ali estavam, e sem entender nada,  aceitaram, compartilhando a realização do sonho tanto almejado do poeta amazonense.
Na tentativa de divulgar seu trabalho, perante as dificuldades e com a falta de apoio financeiro, o escritor envia suas obras para várias instituições. “O “não” tu já tens, se tu pegares o sim é consequência, tudo na vida é consequência”, diz sorrindo.
O contexto caboclo retratado em seus poemas reflete a partir da vivência interiorana do escritor. Nas férias do colégio, Alfredo costumava ir para casa de seu avô paterno em Vila Nova, interior de Parintins.
 Pescar, tomar leite direto da teta da vaca, mingau de tapioca. Foram momentos simples que fizeram parte da vida do poeta.
   No livro Identidade Cabocla, com o poema “Alma Cabocla” Saunier retrata seu próprio perfil, no final do texto:
ALMA CABOCLA”
...Minha alma é cabocla.
Falo como o vento
que me diz, já de manhãzinha,
o descontentamento...
Pertenço a uma vida que não é minha!
Digo, com orgulho, afirmo
de alma cabocla: a alma de um rio sem leito!

Poema citado com orgulho durante a entrevista. Considerando-se um poeta regionalista.
Um momento importante da carreira do autor foi a presença do escritor Thiago de Mello no lançamento de um de seus livros. Segundo Saunier, o poeta Thiago não costumava ir a lançamento do livro de ninguém. Essa atitude o deixou profundamente emocionado. 
A relação de Thiago de Mello com a família de Alfredo Saunier vem desde a época quando o pai Tonzinho ainda era vivo e costumava visitá-lo para tomar um café e conversar.
Ao todo são 14 livros que fazem parte do acervo de Alfredo, “Memórias de um poeta”, “Identidade Cabocla”, “Poética, a arte de fazer versos” foram os três lançamentos. “O ciclo econômico da juta em Parintins”, “Mosaicos”, “Nas esquinas da Vida”, “Irreverente”, “Benditas Mulheres”, “Olha já, coisa de caboco”, “Saudade, simplesmente de ser Poeta”, “O contador de história”, Ser Poeta”, entre outros estão prontos para serem lançados.
Em “Memórias de um Poeta”, primeiro livro lançado, relata sobre as obras de Tonzinho Saunier como forma de não deixar no esquecimento o trabalho do pai, “muitas vezes os poetas não morrem, eles permanecem vivos na memória do povo”, diz Alfredo.
Existe um poema chamado “Hoje é domingo?”, eu fiz pois acredito que todo dia é domingo, é dia de festa, de recordações, dia de saudade, de adeus. Até porque meu pai morreu no domingo, e estava tocando aquela música do Tim Maia, “No dia de domingo”. Meu pai falava muito em saudade, tanto é que morreu recitando um poema de sua própria autoria chamado “Saudade da Saudade”, relembra o filho, emocionado.
Todo o processo burocrático para lançar uma obra literária não desanima o poeta que vive de sonhos, sonhos esses a qual não acredita um dia poder realizá-los, mas espera que outros poetas, da nova geração, continuem o seu legado.