Alzyney
Pereira, à esquerda e Kemerson Freitas, à direita, os Curumiz.
Foto: Luciano Ribeiro
No
final do ano de 2017, os muros da área urbana de Parintins-Am* ganharam novas cores e uma nova linguagem artística. Das ruas para
as redes sociais, não é difícil encontrar nos perfis de inúmeros
parintineneses, fotografias dessas obras, contextualizando o
cotidiano amazônico, uma mistura de ousadia e talento.
Contudo,
não se pode explicar a arte, sem vê-la, sentí-la ou imaginá-la.
Todos esses sentimentos estão presentes na vida de Kemerson Freitas
e Alzyney Pereira. Os artistas intitulados
Curumiz,
assinaram um novo conceito na arte amazônica e deram vida aos
envelhecidos muros da área urbana de Parintins. Além de amigos, os
jovens têm em comum a paixão pela arte, e a proporção que ela
pode causar.
Kemerson
Freitas, (23), é licenciado em Artes Visuais pela Universidade
Federal do Amazonas, (Ufam), na região de Parintins. O parintinense
iniciou a vida artística por volta dos seis anos de idade,
desenhando nos cadernos utilizados em sala de aula. O dom do garoto
chamou a atenção dos pais que, logo o matricularam na Escola de
Artes Irmão Miguel de Pascale, (Escolinha
do Boi Caprichoso, importante projeto social que ensina as diversas
modalidades artísticas para crianças da cidade de Parintins).
Aprimorou suas técnicas no curso de desenho pertencente ao Liceu de
Artes Claudio Santoro, em Parintins.
A
história de Alzyney Pereira, (23), assemelha-se ao do amigo.
Acadêmico do curso de Licenciatura em Artes Visuais, pela Ufam em
Parintins, o jovem nasceu na cidade de Juruti, no Pará, e desde os
cinco anos de idade mostrava talento pelo desenho. Fã dos desenhos
infantis, o garoto reproduzia no papel o que assistia, aprimorando
mais o talento artístico. A partir disso, a mãe de Alzyney o
colocou na escola de arte Pastoral
do Menor,
situada no bairro Itaúna 2, em Parintins, onde ele reside até hoje.
O
início
A
parceria surgiu na universidade, durantes as aulas de desenho,
ministradas pelo professor Edson Macaline. Na época, Edson propôs
aos alunos a utilização de uma arte mais contemporânea a partir do
estilo artístico utilizado na região amazônica. A semelhança pelo
gosto e o estilo de desenhos dos dois acadêmicos os uniu durante as
atividades do curso, e ultrapassou os muros da universidade.
O
aperfeiçoamento no trabalho dos artistas aconteceu a partir do
projeto Arte
na periferia,
idealizado pela prefeitura de Parintins em parceria com a escola de
artes Pastoral
do Menor,
realizado na própria instituição. Foi a primeira pintura dos
jovens no muro. O diferencial na obra artística chamou a atenção
do público e instigou o talento dos artistas que, começavam a
descobrir um estilo próprio no campo da arte parintinense.
Com
o sucesso da primeira pintura e a repercussão positiva nas redes
sociais, os jovens levaram em frente os trabalhos, em busca dos muros
abandonados pela cidade. Outros muros eram solicitados, por se
tratarem de obras particulares, mas, os jovens sempre arcaram com as
despesas dos materiais durante a produção dos murais.
“No
início quando fomos pintar os muros, ao tirarmos os sprays
da mochila, algumas pessoas temiam que fôssemos pichar como um ato
de vandalismo, esse foi o primeiro paradigma que enfrentamos”.
Relembra Kemerson, sorrindo.
Foto: Alzyney Pereira
Alzyney
Pereira, em ação, obra Mãe
terra.Foto:
Kemerson
Freitas
No
início das obras de arte, os artistas utilizavam a técnica do
lambe-lambe
(arte desenvolvida com o papel colado no muro, uma modalidade de
estreet
art), depois
começaram a utilizar o grafite
(pintura
à base de spray), para o melhor aperfeiçoamento. São por meio de
tutoriais pesquisados na internet
que, os artistas aprendem cada vez mais novas técnicas de utilização
para pinturas em muros.
Curumiz e suas inspirações artísticas
Autorretrato
“Curumiz”. Foto: Arquivo pessoal
O
codinome artístico Curumiz,
surgiu no final do ano de 2017, quando os jovens começaram sair para
as ruas de Parintins. Primeiramente assinavam o codinome A.K
Riverman,
(junção das primeiras letras de seus nomes, hiverman
significa ribeirinho em inglês), porém não gostaram da junção e
optaram por algo mais simples e criativo.
A
ideia surgiu na confecção do segundo mural. Durante uma das saídas
dos jovens pelas ruas, o professor Erick Nakanome ao vê-los
pintando, gritou:
-Esses
curumins já estão pintando aí! – Relembra Alzyney.
Por
meio desse fato, os amigos tiveram a ideia de assinar as obras e
firmar o codinome Curumiz,
por se tratar de um termo regional, curumim, ( palavra de origem
tupi, e designa, de modo geral, as crianças indígenas, do sexo
masculino). A
palavra foi modificada e acrescentada a letra “z”, no final,
criação dos próprios artistas.
Além
das referências artísticas regionais na bagagem, os jovens também
são inspirados por artistas renomados. A admiração pelas obras de
Van
Gogh, Salvador Dali, Modigliani, Basquiá, Os gêmeos e Eduardo
Kobra,
foram fundamentais no desenvolvimento artístico dos jovens que,
criaram uma identidade própria desde então.
“Os
gêmeos
foram uma forte influência para gente, pois, vimos que, são duas
cabeças para pensar unicamente uma ideia, tão ímpar”, afirma
Kemerson Freitas. Ele acrescenta que, a arte parintinense é uma
temática bastante discutida na universidade, e que essa arte
regional precisa ser trabalhada num estilo mais contemporâneo.
As
obras criadas pelos Curumiz
são definidas de arte urbana, mas com uma linguagem amazônica que,
retrata o cotidiano rural. São utilizadas nas obras, pessoas
anônimas, elementos ribeirinhos e a fauna pouco usada nas telas,
trabalhadas numa linguagem diferenciada, uma arte própria
desenvolvida pelos artistas.
“Das
manivas do caboclo”. Obra que fez parte da exposição
“Conterrâneo”. Foto: arquivo pessoal Curumiz.
Alzyney aponta o professor do curso de Artes Visuais (Ufam/Parintins) Edson Macaline como um grande incentivador durante o percurso dos jovens. “Ele propôs que utilizássemos mais experimentações, outros materiais, outras superfícies para pintar, outro método de desenho, por isso não temos um estilo definido, as pinturas surgem de acordo com as nossas experimentações artísticas e os diversos elementos que utilizamos”, destaca o artista.
Apesar
dos desafios e situações constrangedoras, os muros pintados pelos
artistas, embelezam e alegram os ambientes urbanos de Parintins. Com
a arte reconhecida, surgiram as encomendas, o que os ajudou a custear
os materiais que, raramente são encontrados em Parintins, outros
eles compram pela internet.
Exposições e a dimensão artística
Os
artistas participaram da abertura do 11º Salão Curupira de Artes
Plásticas, em Manaus, evento realizado em 2018, onde foram expostas
várias exposições com a participação dos artistas de Manaus e do
interior do Amazonas.
A
segunda exposição foi individual, intitulada de Conterrâneo,
ocorreu em 2019, na galeria do Largo São Sebastião, espaço em
frente ao Teatro Amazonas, no centro de Manaus.
“Essa
exposição abriu muitas portas para gente, as pessoas viram que em
Parintins tem o trabalho de arte urbana, que há também artistas da
arte contemporânea”, ressalta Kemerson, referindo-se a exposição
Conterrâneo.
Recentemente
os jovens participaram da exposição intitulada “Lixo nosso de
cada dia”. O evento aconteceu em outubro de 2019, nas dependências
do Liceu de Artes Claudio Santoro, em Parintins. À convite da
museóloga Veralucia Ferreira, os artistas produziram dois murais de
instalação, unindo o grafite ao lixo produzido na cidade.
Os
Curumiz
e as obras “Eu” (à esquerda) e “Até o tucupi” (à
direita).
Ambas foram produzidas para a exposição “Lixo nosso de
cada dia”. Foto: Rendrick Azevedo.
Futuramente
os artistas almejam expandir suas obras para outros lugares, onde a
arte urbana é mais presente, com o intuito de engrandecer o trabalho
e buscar mais valorização. Entretanto, não só as metrópoles
estão nos planos dos artistas, Alzyney acrescenta que levar a arte
às pessoas mais necessitadas também faz parte do caminho que eles
pretendem percorrer. Poder levar o estilo às comunidades
ribeirinhas, outros locais circunvizinhos da cidade de Parintins são
de suma importância para que eles possam se identificar, visto que,
são personagens fortemente presentes nos murais.
“Mãe terra”, produzida em um dos muros no centro da cidade de Parintins-AM.Foto: Arquivo pessoal Curumiz. “A arte existe porque a vida não basta”, é a frase que kemerson leva para a vida. O jovem acredita que o principal objetivo do trabalho dos Curumiz é fazer as pessoas compreenderem a arte além do que elas já conhecem. “Transformação” é a palavra que Alzyney determina como um importante papel desempenhado pela arte. “Esse é o nosso propósito, transformar as pessoas e os lugares que estavam mortos, por meio das cores e acima de tudo fazer com que as elas se identifiquem nas obras, retratando o seu cotidiano, a sua identidade cultural”, conclui o jovem.
Colorindo
a cidade de Parintins, com a obra “Flores amazônicas”. Foto:
Arquivo pessoal Curumiz
Painés “Flor de menina” e “Ribeirinhos”, fizeram parte da XI exposição do Salão Curupira de Artes, em Manaus, 2018. Foto: Arquivo pessoal Curumiz
"Tracajás
de beiradão”, a obra fez parte da exposição “Conterrâneo”,
realizada
no
Largo
São Sebastião, em Manaus.
Foto: Arquivo pessoal Curumiz, 2019.
"Umukosurãpanami-
criador da luz no universo"
Arte
feita sobre a mitologia do índios dessana sobre criação do sol, do
universo, tendo como referência o livro "Antes o Mundo não
existia", da qual conta que este heroi dessana Umukosurãpanami
direcionado por Yeba Boro, joga sua lança contra o nada, criando a
luz no universo, assim nascendo o sol e o sistema cósmico. Foto e legenda:
Arquivo pessoal Curumiz
*Parintins é um município brasileiro no interior do estado do Amazonas. Pertence à mesorregião do Centro Amazonense e microrregião de mesmo nome, localizando-se no extremo leste do estado, distante cerca de 369 quilômetros da capital Manaus (IBGE)
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quarta-feira, 20 de novembro de 2019
CURUMIZ: um novo conceito na arte amazônica
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